Vitrines para ensinar a produzir e preservar

 

Agropecuária sai da defensiva e promete preservar o ambiente. CNA faz parceria com a Embrapa Florestas e põe bandeira ambiental na mão dos produtores rurais

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) lançou ontem, em Brasília, projeto preparado nos últimos quatro meses pela Embrapa Florestas (Colombo, PR) que pretende mudar o rumo das discussões sobre reserva legal – que põem o produtor rural de um lado e os ambientalistas do outro. O projeto Biomas vai criar, a pedido da CNA, vitrines tecnológicas indicando como o produtor pode explorar a atividade rural e, ao mesmo tempo, defender a natureza.

“Completamos 13 anos de debate contínuo com os ambientalistas e não avançamos. Então, demos uma parada para ver onde está o erro, e tentamos encontrar um árbitro para dissolver esse litígio. Optamos pela ciência”, disse a presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), referindo-se à Embrapa Florestas. Ela garantiu que as orientações do projeto Biomas deverão ser seguidas pelos produtores rurais mesmo que reduzam as áreas de cultivo em nome da preservação.

Na prática, o Biomas vai diagnosticar seis fazendas, identificar as adaptações necessárias em cada uma delas e transformá-las em modelos para os produtores da mesma região. Está prevista uma fazenda-vitrine de 500 hectares para cada um dos seis biomas do Brasil. Mata Atlântica (onde fica o Paraná) e Cerrado terão suas estações primeiro. A cada dois anos, outros dois biomas – Pampas, Pantanal, Amazônia, Caatinga – serão abrangidos pela pesquisa. Com o avanço dos trabalhos, as áreas devem ser ampliadas de 500 para 3 mil hectares.

A CNA promete investir R$ 20 milhões no projeto. A maior parte desses recursos será usada em transporte e em diárias de hotel para os 240 pesquisadores da Embrapa percorrerem o país. A estatal de pesquisa afirma que pretende alocar recursos ainda junto ao governo federal. O Sebrae e a multinacional Monsanto também são citados como financiadores do projeto.

O pesquisador da Embrapa Florestas Gustavo Curcio, que apresentou o projeto, disse que espera parcerias com organizações não-governamentais e órgãos ambientais. Ele defendeu que a organização vai se manter neutra nas pesquisas mesmo recebendo apoio da CNA. “A Embrapa tinha receio de se comprometer, mas temos que atender a sociedade e o setor produtivo.” O presidente da Embrapa, Pedro Arraes, disse que a instituição assumiu a função de orientar o agronegócio. “O Brasil pede para que cumprimos nosso papel.”

O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, declarou que a Embrapa, apesar de não ser ligada ao Meio Ambiente, é o órgão do governo que mais entende do assunto. Ele defendeu o projeto da CNA e da Embrapa como um avanço nas discussões ambientais. “Se a legislação ambiental for colocada em prática como está, metade das 5 milhões de propriedades rurais seriam consideradas irregulares e 1 milhão delas se tornariam inviáveis”, criticou. Prestes a sair do cargo para concorrer a deputado federal pelo PMDB, ressaltou que o governo precisa compreender melhor o setor rural.

As organizações não-governamentais de defesa do ambiente que atuam em Brasília vêm monitorando informações sobre o projeto desde o ano passado. Os representantes de entidades como o Greenpeace consideram que algumas das bandeiras levantadas pela CNA, como o desmatamento zero, fazem parte de suas reivindicações. Nas discussões desta semana, em Brasília, disseram porém que a Embrapa tende a endossar uma redução na área de preservação ambiental, garantida pelo Código Florestal de 1965.

As conclusões do Biomas tendem a influenciar as discussões sobre a reforma do Código Florestal, que esquentaram ano passado. A CNA espera que pontos decisivos sejam avaliados pelos pesquisadores antes que os projetos em discussão sejam votados no Congresso. A distância dos rios que os produtores do Paraná precisam preservar estão entres os assuntos a serem pesquisados. “Pode ser mais e pode ser menos, dependendo da região e do tipo do solo do produtor”, disse Kátia Abreu.

A Embrapa Florestas afirma que áreas hoje consideradas intocáveis podem ser aproveitadas sem danos às reservas de água, à fauna ou à flora. Entre elas estão topos de morros e encostas com plantações já consolidadas, como os cafezais de Minas Gerais, disse Gustavo Curcio. Na maquete do projeto, que reproduz uma fazenda ambientalmente correta e deve percorrer o país, essas áreas já aparecem com cultivo.

 

25/02/2010

Fonte:Gazeta do Povo – José Rocher