Resistência de plantas a insetos

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A agricultura é uma atividade econômica que tem causado profundos impactos no ambiente, principalmente devido ao emprego de técnicas que deterioram o solo e reduzem a biodiversidade do agroecossistema, gerando, cada vez mais, dependência de insumos químicos. A alteração do ecossistema pela prática da agricultura moderna, com extensos monocultivos e adoção de tecnologias avançadas, possibilita a manutenção quase que durante todo o ano de fonte de alimento permanente para os insetos, os quais encontram condições para se estabelecer na plantação, atingindo, via de regra, os níveis de controle. Plantas e insetos convivem há milhões de anos. Durante muito tempo, por ocasião da Revolução Verde, utilizou-se o melhoramento vegetal somente como uma forma de aumentar a produção, em detrimento de características de resistência a pragas. Embora, atualmente, a sociedade esteja atenta e exigente em relação à origem do produto que consome, ainda existem muitas lacunas a serem preenchidas nos sistemas de produção agrícola. A conscientização da população para a necessidade de rastreabilidade e controle de qualidade do produto agrícola veio de encontro à necessidade de sustentabilidade do agroecossistema, criando um ambiente propício para o desenvolvimento da produção integrada.

 

Um dos pilares da produção integrada é a aplicação do manejo integrado de pragas (MIP), destacando-se, dentre as táticas disponíveis para a realização do MIP, a resistência de plantas a insetos. Embora com menor propaganda do que outras estratégias como o controle biológico, o uso de variedades resistentes é extremamente útil para o produtor, pois além de não implicar em custo extra para o mesmo, ainda viabiliza, em muitos casos, a utilização conjunta de outras técnicas, como o controle biológico, químico e cultural.

Planta resistente 

Existem várias definições para planta resistente. Do ponto de vista prático, diz-se que uma variedade ou planta é resistente quando sofre dano menor do que a maioria das outras plantas, sob igualdade de condições, resultando em menor prejuízo econômico. De acordo com o grau de resistência apresentado pela planta, ela pode ser classificada como imune, altamente resistente, moderadamente resistente, suscetível e altamente suscetível. O conceito de imunidade só existe na teoria. Para exemplificar, se uma variedade de uma planta (A), sob ataque de uma determinada população de um inseto, produz 100 g, e outra variedade (B), sob a mesma população do inseto e nas mesmas condições, produz 150 g, pode-se dizer que a variedade B é resistente àquele inseto, em relação à variedade A, nas condições do estudo. Existem casos em que, devido ao efeito do ambiente ou do acaso, a planta demonstra ser pouco infestada pela praga, podendo ser confundida com um material resistente, quando na realidade, não o é. Para evitar interpretações errôneas, deve-se ter sempre em mente os princípios da resistência de plantas a insetos, os quais são:

A resistência é relativa, ou seja, estudos dessa natureza só podem ser conduzidos quando houver dois ou mais genótipos diferentes. É hereditária, isto é, os descendentes também deverão ser resistentes e manifestar essa característica, em maior ou menor proporção, dependendo do tipo de herança, do grau de dominância dos alelos envolvidos etc. Os resultados deverão ser passíveis de repetição. Mantendo-se as mesmas condições locais e de infestação, obter-se-ão resultados similares quando os experimentos se repetirem. É local. Como o fenótipo depende da interação entre genótipo e ambiente, condições diferenciadas poderão interferir na manifestação do caráter de resistência. É específica. Uma determinada variedade pode ser resistente a uma determinada espécie de praga, mas, na mesma condição, ser suscetível a outros insetos.

Tipos de resistência

Existem três tipos de resistência: antixenose, antibiose e tolerância. Ao contrário do que se registra para Fitopatologia, na Entomologia, tolerância é um tipo de resistência, não sendo classificada separadamente. A antixenose é verificada quando uma planta ou variedade é menos utilizada pelo inseto que outra para alimentação, oviposição ou abrigo, estando nas mesmas condições. O efeito é manifestado no comportamento do inseto, repercutindo principalmente em redução da atratividade e aceitação do substrato, refletindo-se na redução do número de ovos e da área consumida. A antibiose caracteriza-se pelo efeito adverso da planta sobre o inseto, provocando principalmente alterações no seu desenvolvimento. Os principais efeitos da antibiose são: mortalidade das formas jovens, mortalidade na transformação para adulto, redução do tamanho e peso dos indivíduos, redução da fecundidade, alteração da proporção sexual e alteração no tempo de vida. Já a tolerância refere-se à capacidade de suportar o ataque do inseto através da regeneração dos tecidos destruídos, emissão de novos ramos ou perfilhos ou por outro meio, desde que não ocasione perda na qualidade e quantidade da produção. Pelo fato de a tolerância não afetar o comportamento ou biologia do inseto, propicia, a longo prazo, aumento na população da praga, podendo resultar em dano econômico à plantação. Entretanto, tal efeito pode ser contornado desde que se utilizem táticas complementares de manejo integrado de pragas.

Causas/Mecanismos de resistência

Embora não seja necessário o conhecimento dos mecanismos de resistência para a seleção de cultivares resistentes, os programas de melhoramento genético podem ser acelerados se pesquisas visando o esclarecimento das causas da resistência forem desenvolvidas. As principais causas da resistência podem ser agrupadas como: Físicas: representada pelas radiações, pode interferir na atratividade, desenvolvimento e reprodução dos insetos. Um dos exemplos mais úteis da influência das cores sobre os insetos é a atração exercida pela cor amarela sobre cigarrinhas do gênero Empoasca.

Químicas

Substâncias que atuam no comportamento do inseto, provocando respostas favoráveis ou desfavoráveis ao inseto. Quando são favoráveis, são denominadas cairomônios e podem atuar como atraente (orienta em direção à planta), arrestante (pára ou torna vagaroso seu movimento), incitante ou excitante (induz ao início da alimentação ou oviposição) e estimulante de alimentação (mantém a atividade). No caso de provocarem resposta desfavorável ao inseto, são chamadas de alomônios e podem atuar como repelente (orienta em direção oposta à planta), estimulante locomotor (inicia ou acelera seu movimento), supressante (inibe a picada, mordida ou penetração inicial) e deterrente (impede a manutenção da alimentação ou oviposição). – Substâncias que atuam no metabolismo do inseto e que provocam efeitos descritos relacionados à antibiose. Podem ser: metabólitos tóxicos, antimetabólitos que tornam indisponíveis aos insetos os nutrientes essenciais, enzimas que inibem o processo normal de digestão e fito-hormônios. – Impropriedades nutricionais, relacionadas à ausência ou desproporção entre nutrientes essenciais.

Morfológicas

Tipos de epiderme, representadas principalmente pela espessura da cutícula, que pode agir desfavorecendo a alimentação ou dificultando a penetração dos insetos, dureza da epiderme e pilosidade. Alguns insetos são favorecidos por superfícies pilosas, entretanto, para outros insetos, a pilosidade dificulta a locomoção, alimentação e oviposição. A resposta do inseto à pilosidade depende da densidade, tamanho e tipo dos pêlos (tricomas). Por exemplo, a mosca-branca Bemisia tabaci biótipo B prefere superfícies pilosas, onde encontra condições microclimáticas favoráveis para oviposição e abrigo. Em cultivares comerciais de tomateiro, a intensidade de oviposição é dependente da densidade de tricomas. Contudo, em alguns genótipos de espécies selvagens, como Lycopersicon hirsutum, L. hirsutum f. glabratum e L. pennellii, que apresentam grande quantidade de tricomas glandulares, não se verifica essa mesma resposta. O adulto de mosca-branca, ao pousar nos folíolos de tomateiro, é capturado pelo exsudato glandular dos tricomas e não consegue se locomover.

 

Dimensão das estruturas, como o comprimento, largura, altura etc. Disposição das estruturas, como no caso do algodão, no qual as brácteas do tipo “frego” (brácteas levemente torcidas e perpendiculares ao eixo da maçã) constituem-se em fator de resistência ao bicudo do algodoeiro (Anthonomus grandis). Outras causas difíceis de serem classificadas nos itens anteriormente mencionados como comportamento do inseto e fisiologia da planta

Como avaliar a resistência? 

A resistência pode ser avaliada com base em critérios relacionados às plantas ou aos insetos. Variedades resistentes podem ser detectadas com base nas diferenças na produção e/ou nas áreas/órgãos destruídos ou danificados e/ou no número de plantas vivas e/ou na qualidade do produto. Com relação às variáveis relativas aos insetos, podem-se destacar as diferenças na população, na oviposição, na alimentação, no tamanho e peso, na sobrevivência e no ciclo dos insetos.

Onde encontrar resistência? 

Muitas vezes, é em genótipos selvagens que se encontram as fontes de resistência a uma determinada praga, sendo que essa resistência pode ser transferida mediante cruzamentos controlados (melhoramento convencional). Entretanto, há casos em que cultivares são menos infestadas do que certos materiais selvagens, como é o caso do tomate ‘Santa Clara’, o qual é menos infestado pela mosca-branca Bemisia tabaci biótipo B do que alguns genótipos pertencentes a L. peruvianum e L. esculentum. Em outros casos, genes oriundos de plantas, bactérias ou de outros organismos e que conferem resistência a insetos podem ser introduzidos em plantas de interesse mediante manipulação genética, originando as plantas transgênicas (transformação).

Pesquisadora da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical, Esalq/USP; E-Mail: fancelli@cnpmf.embrapa.br
 

Fonte: Marilene Fancelli e José Djair Vendramim